sábado, 21 de dezembro de 2013

Programa Na Mira: Um atentado aos Direitos Humanos e a vida do Povo Negro



Hoje pela manhã, assisti um programa inglês sobre a Televisão Brasileira. Na verdade, o mesmo se destina a analisar as Televisões ao redor do mundo, e expor a visão da apresentadora, Daisy, sobre a programação local.

Obviamente, que sendo um programa inglês, falando sobre programas estrangeiros, é praticamente inevitável que este venha carregado de Etnocentrismo e algumas visões preconceituosas.Ainda assim, o programa é interessante , por mostrar como a TV Brasileira é vista no exterior e as imagens que são passadas sobre nosso pais.Durante o programa, podemos perceber que a Tv Brasileira tem 3 pontos de especial atenção: O espetáculo do corpo (Feminino, obvio), o espetáculo da Novela, e o espetáculo do corpo (Corpo negro, exposto em Programas do tipo “Na Mira, Bocão, entre outros).

Em uma das visitas feitas, Daisy , a apresentadora Britânica, visita os estúdios do Na Mira, e conversa com a Apresentadora Analice Salles, sobre o programa.É incrível como o Racismo trava a sensibilidade das pessoas, e como se tornou comum e banal a exposição de corpos negros mortos em nossa cidade, e como a dor de Familiares ao ver seus corpos, se transformou em campo fértil de audiência.
É especialmente revoltante, as respostas dadas pela Analice Salles, aos questionamentos feitos pela Daisy.Em dado momento Daisy questiona sobre o que pode ou não, ser exposto no programa, ao que Analice responde , dizendo que “xingamentos” não podem ser colocados no ar.Ou seja, corpos sangrando, mutilados, mães chorando a morte de seus rebentos negros, policias militares triunfantes com a morte dos nossos é absolutamente normal, mas xingar, não pode.
Em um outro momento, Daisy questiona sobre o por que as pessoas assistem esse programa.A resposta de Analice é de que “ a sociedade vive com isso diariamente, que isto não é novidade, ,que se precisa de informação,e que a mesma faz uma denuncia”.
E ai, que eu me pergunto.Que tipo de informação? Que tipo de denuncia? A sociedade precisa ver essas mortes sendo espetacularizadas na busca sedenta por audiência, ou a sociedade precisa compreender que essas mortes ocorrem pela falta de assistência do Estado, na área da saúde, da educação, do emprego, entre outras, aliadas a ação de uma Policia Militar racista, embrutecida e totalmente despreparada para lidar com os becos e vielas dessa nossa Bahia.?
Será que os familiares gostam de ver os corpos de seus mortos na televisão.No horário de Almoço? Programas como estes, só ajudam a perpetuar estereótipos e na minha opinião deveriam ser enquadrado como uma ofensa aos Direitos Humanos.São programas, onde o acusado é transformado em culpado antes mesmo de chegar a Delegacia, e ter a oportunidade de chamar um advogado ou de ser defendido por uma Defensoria Publica.É o corpo negro objetificado como “entretenimento” para a elite branca deste pais, e como um sutil recado a população negra.
Não pude deixar de observar, o quanto essa exposição tem gerado um efeito de dessensibilização em relação ao problema da Segurança Pública, que é algo mais profundo do que apenas a ação policial desenfreada em nossos bairros periféricos.Compreendo que a Apresentadora é apenas a ponta da lança de uma rede televisiva, que ganha audiência.Mas, simplesmente não posso deixar de falar o quanto a mesma é conivente com o sensacionalismo macabro exposto por esse programa.Não sou Jornalista, mas conheço vários que dignamente trazem informação e fazem denuncias sobre a tal “Guerra Civil Não-Declarada”, bordão exaustivamente repetido pelo programa.Jornalistas esses, que compreendem que por trás de cada morte, está um Estado que falhou no seu compromisso, ou de um Estado que racista em sua essência, cumpriu bem a sua função de matar Pretos/as.
Acredito sinceramente que este programa deve ser retirado do ar. Sei que algumas denuncias foram feitas, e que o poder da grande midia é enorme, mas devemos prosseguir na denuncia do mesmo.É preciso escancarar o quanto é cruel e racista, o que o programa faz com a nossa juventude negra, com os pais e mães pretas.

Nossas mortes não são troféus.


Programa The Greatest Shows On Earth: http://www.youtube.com/watch?v=KNvqYxDYTCw


sábado, 12 de outubro de 2013

Para Fran: Com Amor e Sororidade





Estava na internet quando soube do ocorrido com você. Sobre o vídeo de 13 segundos que retrata um momento de sua intimidade.


Só gostaria que você compreendesse que essas coisas acontecem pelo machismo da nossa sociedade. Este repousa na ideia de que homens e mulheres não podem ter direitos iguais, e o direito ao sexo está incluído nisso.


Um homem pode ter uma vida sexual extremamente ativa e será valorizado por isso. Para todos os efeitos, ele está apenas cumprindo o seu papel de macho, exercendo a tarefa de espalhar o seu esperma pelo mundo. Já uma mulher que resolva exercer livremente a sua sexualidade, será apedrejada, deslegitimada, ofendida, desvalorizada, e rotulada

Rótulos que certamente devem estar pesando sobre você. Ofensas que devem estar chegando, e lhe oprimindo, lhe deixando insegura, assustada e com medo de não conseguir se recuperar.
Eu te entendo. Você se sentiu segura.Deu vazão aos seus desejos, ao seu tesão, e se permitiu viver uma experiência que pode ser muito divertida.
Se permitiu gozar.Se entregar. Apenas uma grande alma consegue fazer isso, vivenciar ao extremo aquela paixão que nos tira o chão, e nos deixa tão envolvida que esquecemos de como a sociedade pune as mulheres que se entregam ao amor e ao prazer.
O que você precisa saber é que não é culpada pelo que está acontecendo. É a vitima. A vitima de uma sociedade que não vê com bons olhos mulheres que gozam, dão de quatro, de lado, por cima, que "chupam", e se sentem felizes com isso, filmam, dão de novo, e repetem tudo que está no vídeo, para gozar novamente.
O que se espera de uma mulher "direita" é que ela mecanicamente abra as pernas e proporcione prazer ao macho, e tão somente a ele.
É essa sociedade que formou o Canalha que lhe expôs.
Mas, tenha calma. Você não está só.Existe um conceito no feminismo que se chama Sororidade, que se refere ao pacto entre mulheres, a irmandade. Não sei quem você é.Mas, tenha certeza que tem um exercito de mulheres te apoiando. Mulheres que certamente já ouviram alguma das criticas que você está recebendo.
E homens também. Nem todos eles são iguais aos canalha que divulgou o vídeo.
Espero sinceramente, que esta tempestade passe. E que você volte a ser feliz, a andar sem medo nas ruas, e que volte e gozar. Muito. Transformando cada orgasmo em um ato de resistência.

Força garota.
Estamos com você.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O fim do auto de Resistência, Extermínio/Genocídio da Juventude Negra, e Amarildo: O silêncio da elite brasileira.





O desaparecimento do Pedreiro Amarildo tem ganhado repercussão nas Redes Sociais, na grande mídia e em diversos espaços da militância. Entretanto, preciso relembrar com pesar, com tristeza, com essa sensação de impotência que se abate sobre cada militante ao perceber que mais um dos nossos foi embora por conta da ação truculenta da Polícia, que Amarildo é mais um.


O caso de Amarildo, em especial, repercutiu a partir das mobilizações ocorridas na Favela da Maré, e também por este ter sido avistado pela última vez, entrando na Sede da UPP-Unidade de Polícia Pacificadora, da Favela da Rocinha. Ou seja, foi visto, foi identificado por pessoas próximas, deixando ao menos um rastro para que amigos e familiares pudessem segui-lo.Após, semanas de desaparecimento, a família já começa a pressionar a Prefeitura do Rio, para que se reconheça a morte de Amarildo, um pai de família, trabalhador e negro.Amarildo, é mais um, dentre milhares, e milhares de negros mortos todos os dias.


O último Mapa da Violência, realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americano, apontou uma queda considerável no número de homicídios ocorridos entre a população branca (queda de 26,4%) e um aumento no numero de homicídios entre a população negra (aumento de 30,6%), ou seja o número de homicídios ocorrido entre a população branca cai de 41% (2002) para 28,2% (2011), enquanto na população negra essa taxa, que já era bastante elevada, vai de 58,6% (2002) para 71,4% (2011).


Estatísticas são números frios. Mas são importantes. Inclusive, o fato dos Mapas da Violência, trazerem o recorte de raça e gênero, é resultado da pressão dos movimentos sociais que desde a década de 80 vem denunciando o extermínio/genocídio da Juventude Negra. Uma outra estatística bastante interessante reflete um pouco sobre como se dá esse aumento da morte entre a população negra. A ONG Human Rights Watch (HRW) apresentou que 95% das pessoas feridas em confrontos policiais no Estado de São Paulo morrem no trajeto ou então no Hospital. A ONG alerta também para a ação de policiais, que forjam resistência de modo a justificar as mortes ocorridas, inclusive alterando cenas do crime, para conseguir um “auto de resistência”.


O que é importante refletirmos é o sistema racista, que está por trás de todos esses números e mortes, como foi a de Amarildo. Não foi um governo, uma eleição, ou uma entidade que inventou isso. O Brasil é um país que nasceu e se estruturou economicamente e socialmente em cima de uma política genocida e escravista, primeiro com as comunidades indígenas e posteriormente, com a população negra. Excluindo todos aqueles que fossem considerados como um entrave a criação de um Brasil eurocêntrico, de cara e raízes brancas, invisibilizando-os, deixando-os à margem da sociedade, até que sejam “resolvidos” pela ação da PM, pela exclusão das Universidades, pela falta de assistência médica, pelo Racismo Institucional.


Nesse sentido, o PL 4471/2012 , que prevê o fim do Auto de Resistência, é de extrema importância. O auto se constitui em um instrumento jurídico, que legisla sobre homicídios ocorridos durante o trabalho do policial, dessa forma uma pessoa morta em confronto com a policia, é enquadrada no quesito “resistência seguida de morte”. Seu uso indiscriminado vem sendo denunciado por diversas entidades dos movimentos sociais, com o fim do auto, todas as mortes ocorridas durante o trabalho do policial, deverão ser investigados, quebrando com uma justificativa histórica para a violência policial. Além disso, o PL prevê sobre o transporte de feridos durante o confronto, sendo que o autor do disparo deverá chamar assistência médica, ao invés do mesmo prestar assistência.


Acima de tudo, a aprovação do PL 4471/2012, é importante por responsabilizar o Estado. É fazer, com que as mortes ocorridas nas favelas do nosso país, não sejam apenas uma estatística, mas passe a ter nome, sobrenome, local do ocorrido, fotos, exame pericial e principalmente culpado, seguindo os princípios das Nações Unidas para a prevenção efetiva e investigação de execuções sumárias, arbitrárias e extralegais, que foi adotado em 24 de maio de 1989.É um grito de milhares de mães, pais, avós, avôs, irmãos, irmãs negros e negras, de que a morte de seus familiares tem culpado, e que esse culpado tem que ser responsabilizado.


Pensar o quanto o/a negro/a é objeto de descarte nesse país (e como sempre foi), conhecer as estatísticas, ajuda a compreender o silêncio da Elite brasileira, em relação ao Amarildo, ao fim do Auto de Resistência e a todos os outros 122.570 jovens negros que morreram entre 2002 e 2010, aos 360 que morreram nas Viaturas e Camburões Paulistanos em 2012, bem como do Massacre do Carandiru, Candelária e Vigário Geral (1993); Alto da Bondade (1994); Corumbiara (1995); Eldorado dos Carajás (1996); São Gonçalo e Favela Naval (1997); Alhandra e Maracanã (1998); Cavalaria e Vila Prudente (1999) entre tantos outros. Eliane Brum, Jornalista, escreveu em seu Blog um excelente texto com o título “Também somos o chumbo das balas”, onde alerta para este silêncio ocorrido com os mortos da Favela da Maré.Em determinado trecho ela afirma que: “É preciso que a classe média se olhe no espelho, se existe mesmo o desejo real de mudança. É preciso que se olhe no espelho para encarar sua alma deformada. E perceber que essa polícia reflete pelo menos uma de suas faces.”.


A face da Elite Brasileira, é a face da Policia Militar, é a face do Genocídio/Extermínio da Juventude Negra.Uma face que está virada apenas para o próprio umbigo, e que deliberadamente vira as costas, para esses outros rostos que deixam de ser nomes para serem números. O que causa a violência, é a desigualdade, é a ação do sistema capitalista que se alimenta do racismo, do machismo, da homofobia, para legitimar a exclusão.


É preciso não apenas repensarmos a Polícia.A desmilitarização é um bom caminho, mas não é o único. É preciso repensar a nossa sociedade.Compreender que são os privilégios da elite branca brasileira, que continuam a alimentar a ação racista e violenta da Policia Militar, e que esta age de forma a garantir a continuidade destes privilégios, eliminando os indesejáveis e se constituindo como um crime perfeito, usando as palavras do grande mestre Kabengele Munanga.


É ir quebrando, em todas as instâncias, as cadeias elitistas que barram o acesso do povo preto ao poder.Em diversos fronts, mas com um objetivo em comum. Até que “ver o pobre, preso, morto” não seja mais cultural,e sim um crime.


Luana Soares é Historiadora, Militante da CONEN-Coordenação Nacional de Entidades Negras, da EPS -Esquerda Popular e Socialista do PT, e compõe a Executiva Estadual da Juventude do PT-Bahia.










Fontes:


95% dos feridos transportados pela polícia morrem no trajeto, in: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/95-dos-feridos-transportados-pela-policia-morrem-no-trajeto


Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Para Ruan Philippe e Davi Mateus ( Farofa) , com amor .

O racismo é cruel. E a ignorância, às vezes é uma benção. Duas frases que não paro de repetir, há um bom tempo. Há alguns dias, vi no Blogueiras Negras, um texto que falava sobre o dano psicológico que o racismo causa em alguns ativistas, as dores, as dificuldades, o tempo gasto, a correria e algumas vezes a sensação de que tudo está perdido. Segundo as palavras de Jarid Arraes: “Para quem faz parte de algum grupo desfavorecido, é praticamente impossível levar uma vida sem pelo menos alguns episódios de violência.”
Acima de tudo, o racismo é cruel, não por que está localizado apenas no âmbito do “gostar ou não de negros”, mas porque é estrutural. Este é como um câncer em estágio de metástase, que vai se alastrando, tomando toda a estrutura, até restar apenas ele e nada mais.
Compreender, que o racismo foi estruturante da sociedade e da economia brasileira é central, pra quem está na luta anti-racista. É compreender que os espaços de esquerda, não estão imunes desta ideologia, e muitas vezes reproduzem as mesmas.
Escrevo esse texto, após os acontecimentos ocorrido no Hotel Othon, em Salvador, Bahia, historicamente, um dos hotéis mais badalados da cidade, localizado em um bairro que é reduto da elite baiana. Foi nesse Hotel que o PT, realizou o Seminário Participação Popular e Movimento Sociais, no dia 25/07.
Confesso que ver a militância petista, em peso,os companheiros do MST, do Movimento Estudantil, do Movimento de Luta por Moradia, do Movimento Negro entre outros, ocuparem esse espaço, foi lindo. Fiquei imaginando a cara dos moradores da Ondina, com tanto preto, tanta mulher, tanto LGBT, tanto sem-terra e sem teto, circulando pelo bairro.
Entretanto, esta alegria foi dispersada pelo acontecimento com os jovens Ruan Philippe e Davi Mateus, vulgo Farofa.Os dois, militantes da Juventude, do Movimento Negro, com os quais convivo diariamente, fazendo política, lutando por um mundo mais justo, nas mesmas trincheiras de luta.Barrados, na entrada do Hotel, pela Policia Federal, estes vivenciaram o racismo literalmente na pele, e apesar de estarem com as credenciais a vista, foram separados para averiguação.
Posteriormente,  juntamente com outros companheiros do MST, e de outros movimentos sociais, foram ameaçados de prisão, pela PF, que chamou a Policia Militar para efetuar a prisão, que acabou não ocorrendo por conta de intervenção de diversos companheiros e companheiras.
Sabemos bem a forma que a policia identifica “suspeitos”. O bloco afro Ilê Aiyê, cantou essa bola há muito tempo, quando disse que “negro sempre é vilão, até meu bem provar que não”, e a suspeita da cor da pele, dos cabelos crespos, de todos os estereótipos criados.A mesma forma de identificação que barrou Ruan e Farofa, no Hotel, também é usada dentro das favelas, morros, bairros periféricos, e afins, pela Policia Militar.É a mesma forma com que eles decidem, quem morre, quem vive, quem é cidadão ou não.
Hoje é dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Enquanto mulher negra, quero me solidarizar com os companheiros. Sei que na hora, que o racismo bate na nossa cara, a resposta é a raiva. Audre Lord, em um dos seus textos, afirma que: “Minha resposta ao racismo é raiva. Eu vivi com raiva, a ignorando, me alimentado dela, aprendendo a usá-la antes de ela destruir minhas visões, durante a maior parte da minha vida. Uma vez respondi em silêncio, com medo do peso. Meu medo da raiva me ensinou nada. Seu medo da raiva irá te ensinar nada, também.”
Acho lindo, quando Audre diz , que o medo da raiva, não a ensinou nada. Nós, pretos e pretas, da periferia, militantes, jovens, não podemos ter medo da raiva.Não podemos ter medo do mundo, da luta, e precisamos estar prontos para enfrentar estes momentos.Mas, prontos também para receber o colo, o amparo, para se deixar deitar na cabeça de balanço da irmandade.
A frase de minha dirigente Danielle Ferreira, mulher negra, petista, de esquerda e socialista, exemplifica bem a sensação com qual a Juventude Negra Petista acordou: “Não é esse o PT que eu quero”.
A vocês , deixo um trecho do texto de Cidinha da Silva, onde ela fala sobre a saida de Matilde Ribeiro da SEPPIR.O nome do texto é Estamos por nossa própria conta.


“É, estamos por nossa própria conta. Sejamos Matilde Ribeiro, Benedita da Silva, Lecy Brandão, Celso Pitta ou Orlando Silva, chamado por alguns de Nelson Gonçalves, nada nos diferencia, somos pessoas negras, estamos todas no mesmo barco e o racismo nos bombardeia ou bombardeará o casco.
Pouco importa o que tenhamos feito ou construído, sob a mira dos holofotes racistas somos meras sombras, pois pertencemos à mesma comunidade de destino. Não nos iludamos, qualquer um de nós pode ser o próximo alvo.”

Para acesso integral aos textos: 

Mulheres Negras respondendo ao racismo, Audre Lord:




quinta-feira, 2 de maio de 2013

Entre carecas, cabelos brancos e barrigas: Um ode aos homens de verdade.


Outro dia, um amigo lançou uma campanha no Facebook onde pegava fotos de homens e mulheres negras, e comentava o fato de serem pessoas normais, do cotidiano de uma Salvador preta, e que grande parte das publicações de fotos e mulheres negras nesta rede social, estava sempre reforçando homens e mulheres magras, cabeludos, sem dobras, cicatrizes, pneuzinhos, e coisas do tipo.
O padrão de beleza, eurocêntrico nos influencia até quando estamos tentando lutar contra ele, e é preciso estarmos atentos a isso. Os gregos viam nos traços bem definidos, a beleza.Corpos esculturais que eram modelados nas batalhas diárias, em espaços de guerra, como se diz no mundo acadêmico, “medidas proporcionais”, que eram expressas nas suas esculturas, alias eram tão aficcionados a isso que criaram uma regra matemática,para definir se um rosto é bonito ou não.
Seja, grego, romano, árabe,judeu, negro, negra, branca, branco, indígena, oriental, e por ai segue.Existe sempre um padrão corpóreo a ser seguido, é a ditadura da magreza, a ditadura da cabeleira, ou em tempos de “popozudas”, a ditadura do bundão, pernão, peitão, que poderia ser conhecida como a ditadura do “aõ”, desde que seja um “aõ” controlado, bem durinho.
Para as mulheres, cobradas o tempo inteiro para estarem lindas, prontas pra qualquer espaços, isto se constitui em um sacrifício diário. E como os homens lidam com isso? Eles também são cobrados, e sofrem com os idéias de beleza, é só olhar pra os outdoors, capas de revistas, caderno, e afins, que você verá o tipo de homem exposto, sempre bem malhados, com seus tanquinhos, definidos, cortes de cabelos, bem desenhados, no caso do homem negro, dreds longuíssimos, blacks enormes, ou aquele corte de cabelo, que tem aquela listra no inicio, que eu n sei dizer o nome.
Mas e as carecas e barriguinhas. E os dred’s que ao longo do tempo vão afinando, encurtando, caindo. Em que padrão de beleza eles se encaixam? Admito que sou fã dos “homens de verdade”, da barriga que afaga, e serve de travesseiro, na falta de um, do cabelinho entrecortado, por algumas fissuras abertas pelo tempo, como um sinal de uma longa caminhada, ou pelo corpo que decidiu por si só fazer estas marcas.
Um parêntese especial para os cabelos brancos. Estes, ponto central do meu amor. Não resisto. Passei a adolescência, dividindo os meus sonhos de príncipe entre o Richard Gere (Admita, você já quis ser Uma linda mulher), o Sean Connery (bofe lindo, barrigudinho), e o Michael Douglas ( O amor acabou, depois que descobri que ele era ninfomaníaco).Pode perceber o fato de que referenciei apenas os homens brancos,afinal falo de uma adolescente cinéfila, que divagava entre a vida real e os príncipes da Sessão da Tarde, Temperatura Máxima, e outras sessões oferecidas pelas emissoras brasileiras.
Só mais tarde descobriria atores negros como atraentes, expressos na figura maior, divina e linda do Denzel Washington  que parece um vinho, a cada fio branco, a cada quilinho a mais, fica mais lindinho, mais apetecível, ou o Morgan Freeman, que com seu Black de fios brancos, ainda aperta meu coraçãozinho, ou ainda um Laurence Fishburne, o eterno Morpheu que também exibe a sua linda barriguinha.
O importante aqui é dizer um recado aos homens. Um corpo escultural atrai, sim. Mas, a sua barriguinha, cultivada com cerveja, churrasco, e feijoada, também tem o seu lugar no mundo, ela jamais será desprezada, jogada ao léu, bem como a sua carequinha, lindinha, que além de ser sexy, passa uma imagem de um homem muito inteligente e sábio, ao menos para mim.
A você que está entrando no imortal hall dos barrigudos e carecas. Relaxe.Se acostume a nova imagem, e ao final das piadinhas, se saia com a máxima “é dos carecas que elas gostam mais”.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

“Cada um sabe onde o calo aperta."

Montagem foi feita por Nahu Lima.Não consegui identificar o/a
fotografo/a. Sororidade é uma palavra em latim, que significa
algo como Irmandade.
Adoro ditados. Desde aqueles mais escrotos, que dão patadas com a maior sutileza, até aqueles que lhe incitam a “respirar a paz”. Um dos que mais gosto é este, e era repetido por minha mãe, em várias situações.
Ultimamente, ele tem me feito refletir sobre o quanto temos sido solidário com o outro. Em um mundo que capitaliza, tudo, desde direitos básicos, até sentimentos nobres como o amor, a paixão e coisas do tipo, ser solidário, sempre incorre nas questões financeiras, administrativas, mas o tipo de solidariedade de que falo aqui, é aquela que é perceptível no olhar e na pele e que se expressa nas pequenas coisas do dia a dia.
Costumo dizer, que meu nível de solidariedade é medido por Raça/Cor, Classe e Gênero, e Sexualidade. Minha alma, leonina, impulsionada pelo Sol em Leão, Lua em Leão, Vênus em Leão, e um monte de coisas em Capricórnio, costuma centrar a minha solidariedade nas pessoas que vivenciam os mesmos problemas que eu, problemas que não são “coisas da cabeça “, mas que existem por uma disparidade racial e de gênero, que exclui as mulheres negras dos espaços de poder, um poder econômico e social.Me permita, por favor, um toque de egoísmo.
Me recordo sempre, da galera do movimento Hip-Hop, quando diz a celebre frase.”Antes nós, do que eles”.Nós.Eles.Segundo Stuart Hall, o “nós” é sempre construído a partir da relação com o outro, traduzindo, só compreendo que fui (deliberadamente, diga-se de passagem”, excluída, por que observo ao meu redor, e percebo que existem pessoas diferentes de mim, que não passam por metade do que eu passo.
Ao mesmo tempo, olho ao redor, e encontro nas caras pretas das minhas irmãs, uma vivência em comum, dificuldades em comum, lutas em comum, batalhas que são travadas em Brasília, Fortaleza, Salvador, mas que são constituídas de sujeitos parecidos, que tem uma ancestralidade igual, recordo-me de certa vez passar pela Liberdade, bairro de Salvador, berço do Bloco Afro Ilê Aiyê, e de tantos outros, quando vi um muro com uma inscrição que dizia, “Minha mãe eu sei quem é. África”.
Veja bem, isso não significa que não seja solidária com todos. Significa que só dedico tempo, ouvidos e ombros, aqueles que “colam comigo”. Parafraseando, essas frases de efeitos, que rolam pelas redes sociais, “Não trato como prioridade, quem me trata como opção”, e isto levo para as diversas instâncias da minha vida.
Resumindo. Na hora em que o bicho pega, salvo quem ta comigo. Quem não está, posso até salvar. Depois.




quarta-feira, 17 de abril de 2013

Legislação, Encarceramento, e Morte: Juventude Negra é o alvo.


Charge de Carlos Latuff-2007



Atualmente voltou a cena, o debate sobre a redução da maioridade penal. Declarações voam de todos os lados, enquetes são realizadas, e o debate se acirra cada vez mais. A morte do estudante , Victor Hugo Deppman, de 19 anos, por um adolescente que estava prestes a completar 18 anos, aliou a comoção social , aos debates, gerando uma verdadeira cruzada de prós e contras.


Sou totalmente contra a proposta. E não apenas por que contraria o ECA - Estatuto da Criança e Adolescente, ou por este ser inconstitucional, como o Ministro da Justiça já declarou, ou pelo Brasil estar indo na contra-mão da maioria dos países, que estão aumentando a maioridade, mas sou contra, principalmente por que o projeto é racista.


Tocar no racismo no Brasil, é sempre colocar um dedo na ferida. A idéia da Democracia Racial continua a se colocar nas estruturas do Estado Brasileiro, negando, a existência de um verdadeiro apartheid racial em nosso pais, um apartheid que apenas compreende a população negra como sujeitos passiveis de encarceramento e morte.


Embora muito afirmem que não tivemos uma legislação, igual a existente na África do Sul, a verdade é que desde o período escravocrata, que nosso país já possuía um sistema legislatório que garantia o controle da população negra. Leis que legislavam sobre a fuga, os castigos, a compra e venda de escravos.No período da chegada da família real, maioridade penal já girava em torno dos 7 anos, sendo que o menor não poderia ser condenado a pena de morte e poderia haver a redução da pena.


Em 1830, é lançado o primeiro código penal brasileiro, conhecido como o Código Criminal do Império, que imputava a maioridade aos 14 anos, neste sistema o menor era recolhido a casas de correção, até os 17 anos. Mas, em determinadas instâncias o mesmo poderia ser condenado a prisão perpetua. Com o código penal de 1889, não por acaso criado 1 anos após a abolição da escravatura, a maioridade continuava em 14 anos, sendo que o menor não deveria ser imputado penalmente até os 9 anos de idade.


Entretanto, baseado em idéias biopsicologicas, e a partir do principio do discernimento (se o infrator tinha consciência do que estava fazendo), o magistrado poderia julgar uma criança a partir dos 9 anos. É preciso prestar atenção para o momento em que estamos nos referenciando, que é final do século XIX, quando as idéias do Darwinismo Social, estavam em plena ascensão.


Diversas revisões serão pensadas, até o surgimento em 1990, do ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente- Lei 8069/90 que fixa a maioridade penal nos 18 anos, e institui uma serie de ações de proteção a primeira infância, e a adolescência, inclusive trazendo políticas voltadas aos infratores.O ECA traz a concepção da criança e adolescente como sujeitos de direitos, sendo baseado na Convenção das Nações Unidas Sobre Direitos da Criança de 1989, sendo copiada por diversos países.


O importante é pensarmos como o racismo, enquanto ideologia, se utilizou das legislações do final do século XIX e inicio do século XX, para reprimir as praticas populares, através da Lei da vadiagem, das Leis contra o “exército ilegal da medicina” que basicamente criminaliza as tradições ancestrais de cura , percebemos assim a tradição das elites brasileiras, em se valer do legislativo para encarcerar o povo negro. Acredito que a pergunta maior a ser feita sobre esse projeto de lei é “Quem são esses jovens que precisam ser encarcerados?”, “Qual a origem social destes?” , “ Qual a raça? “.Os maiores apelos pela aprovação da lei, sempre ressurgem a partir de algum crime cometido por jovens negros. São sempre estes os referenciados quando se analisa o discurso da direita, é o medo da elite branca e racista das mazelas criadas pelo sistema capitalista e racista, do qual são os principais sustentadores e que exclui a população negra dos espaços de poder.


O encarceramento é juntamente com o genocídio, a forma encontrada pela elite branca de eliminar a população negra da convivência social. O Brasil então, possui uma dos sistemas carcerários mais problemáticos do mundo, temos mais de 527 mil presos, pelo menos 181 mil vagas de déficit, com condições gritantes, cerca de 40 % dos presos são provisórios, ou seja ainda estão esperando os vereditos finais dos seus processos, a redução da maioridade só aumentaria o numero de detentos, deixando mais vulnerável um sistema que já demonstra falência.Na mesma linha desse projeto temos um outro apresentado pelo Deputado Osmar Terra (PMDB-GO), que prevê que alunos, sejam fichados caso estejam usando drogas ou alguma substância ilícita, e que também prevê a internação compulsória de dependentes químicos e o aumento da pena para traficantes.O projeto está em tramitação no Congresso e esteve para ser votado, apesar do posicionamento contrario da Secretaria Geral da Presidência e do Ministério da Saúde.


Os dois projetos, vão na linha da criminalização e encarceramento.É sempre mais fácil fechar os olhos para os problemas, do que debatê-los. Os movimentos sociais tem pautado que é preciso políticas publicas para a juventude, é preciso repensar o sistema carcerário, é preciso debater o genocídio da população negra, mas os representantes da elite continuam buscando andar na contra-mão.Cabe a estes movimentos, uma intensa mobilização em prol do fortalecimento do ECA, da aplicação integral de seus princípios,pois os ataques contra a juventude negra tem vindo de todos os lados.Das armas e das Leis.


Fontes: Fonseca, Mayara Yamada Dias, A QUESTÃO DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, FACULDADES INTEGRADAS “ANTÔNIO EUFRÁSIO DE TOLEDO”.


http://revistaforum.com.br/blog/2013/04/razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/


Por que dizer não a redução da maioridade penal? –UNICEF

















Mulheres Negras e o Poder: Nós também podemos !

Lélia Gonzalez-Feminista Negra Brasileira


O empoderamento de mulheres pode ser considerada uma das tarefas mais difíceis.O mesmo se dá por conta das barreiras enfrentadas pelas mesmas no acesso aos espaços de poder.Esse acesso é dificultado por conta de uma estrutura machista, que acaba esculpindo esses espaços para serem ocupados pelos homens, em especial homens brancos.Na hierarquia social brasileira, as mulheres ocupam as piores posições em relação aos índices de educação, saúde, mercado de trabalho, entre outros, entretanto esta pirâmide social, não é apenas definida pelas questões de gênero ( compreendendo que o gênero é a forma como determinamos o que é ser masculino/feminino na nossa sociedade), essa pirâmide também estará intercalada pelas questões de raça e de sexualidade.

Em um país que vivenciou , mais de 3 séculos de escravidão,o Racismo ainda é um fantasma social, que está inserido na estrutura do Estado Brasileiro.Inserido principalmente na sua formação, vide que a população negra foi esteio do desenvolvimento sócio-econômico brasileiro, fazendo com que o racismo não seja apenas um “sentimento” ou uma “aversão “ e também não esteja apenas ligado ao fato de ter ou não ter “amigos negros/as”.O racismo é uma ideologia, pautada na hierarquização das raças,baseada na ideias de superioridade de uma sobre a outra.No plano histórico, esta foi fomentadora de um processo escravocrata que produziu diferenças raciais, que passaram a se expressar em desigualdades sociais.

O capitalismo enquanto sistema de opressão, se vale dessas desigualdades e discriminações para continuar se fundamentando.Portanto o racismo, o machismo e a homofobia, andam lado a lado com o sistema capitalista, em uma relação de fortalecimento mútuo. Para vivenciarmos, portanto uma sociedade igualitária, não basta lutar por um novo sistema, é preciso também lutar para a derrubada destas ideologias. É repetido pelos movimentos sociais, que “Não existe socialismo sem feminismo”, eu digo que jamais existirá uma sociedade verdadeiramente igualitária, enquanto não tivermos abolido o machismo, o racismo, a homo-lesbo-transfobia.

É preciso compreendermos, que estas desigualdades não caminham sozinhas, mas se intercalam gerando opressões específicas, que são vivenciadas por grupos sociais diferentes.Portanto, alguém estará na base da pirâmide social, e quem ocupa esta base são as mulheres negras.O ultimo Retrato sobre a Desigualdade de Raça e Gênero-2009, realizado pelo IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, e realizado em parceria com a ONU Mulheres, Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),demonstrou que as mulheres negras estão entre a minoria no ensino superior (A taxa de escolarização de mulheres brancas no ensino superior é de 23,8%, enquanto, entre as mulheres negras, esta taxa é de apenas 9,9%.), demonstrando que apesar da entrada das mulheres nas Universidades , ainda temos uma grande disparidade entre o numero de mulheres negras e mulheres brancas que conseguem se inserir nesse espaço.


Demonstrou também que as mulheres negras são minoria no acesso a previdência social, são a maioria entre os/as desempregados/as, maioria no trabalho informal, ou seja, sem carteira assinada, e maioria no trabalho doméstico, chegando a apontar um contigente de cerca de 30 mil mulheres em trabalho escravo.

O IPEA também avaliou a situação de uma bandeira histórica do movimento feminista, que é a questão salarial, sabemos que em pleno século XXI, as mulheres ganham menos do que os homens,embora exercendo a mesma função.Neste quesito, foi avaliado que a média salarial dos homens brancos, estava em torno de R$ 1491,00, o das Mulheres Brancas ,de R$ 957,00, posteriormente neste ranking ,viriam os Homens Negros recebendo R$ 833,50 e por final, recebendo o menor salário as Mulheres Negras com R$ 544, 40 .

Ou seja, apesar da luta do movimento feminista e dos avanços,referentes a equiparação salarial, as mulheres brancas; mesmo recebendo menos que os homens brancos, ainda recebem mais do que os homens negros e do que as mulheres negras.Obviamente que ver isto em um órgão oficial, é importante, mas o movimento negro e o movimento de mulheres negras já denunciava este problema há muito tempo.

Embora estejamos unidas pela opressão de Gênero, a opressão de raça e classe nos separa. Sueli Carneiro, em sua frase clássica já dizia que “é preciso enegrecer o feminismo”. Considero que é preciso enegrecermos o feminismo, o socialismo, e todas as outras ideologias que lutam pela igualdade.Para além disso,é preciso conhecer outras ideologias, que nascidas em seio negro, também pregam um mundo livre de diferenças sociais como o Quilombismo e o Africana Womanism.

As mulheres brancas, são companheiras importantíssimas para a luta contra o machismo. mas, estas também estão inseridas em um sistema que a protegeu durante todo o tempo, que não a jogou as ruas para conseguir o pão do dia-a-dia.Em muitos momentos estas se revelam enquanto opressoras.
As mulheres negras até hoje vivenciam a intervenção do racismo da forma mais cruel, pois como bem colocou Tereza Santos, a mulher negra foi o “esteio da família” brasileira, em nossas mãos estava o cuidado com os filhos das brancas e dos nossos, além de dar conta do sustento da família,( o IPEA também apresentou que as mulheres negras estão entre a maioria das chefes de família), vide que nós estávamos nas ruas, trabalhando, labutando, enquanto as companheiras brancas estavam relegadas ao espaço privado.

Sueli afirma que: “Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar!”. ¹

Trazendo outras reflexões sobre a relação das mulheres negras com as mulheres brancas e o feminismo, Jurema Werneck traz a reflexão de que :” O feminismo original não tinha diferenças palpáveis, de classe social, de raça. Só existia a questão de gênero.Não encarou de frente esses conflitos que existiam por essas diferenças, então o discurso racial, o feminismo negro encarna o discurso racial. É um feminismo que fala dessa coisa de ser mulher negra, acho que isto é a principal diferença, quer dizer, que define todo o resto. E a inserção da negra no mundo, na sociedade brasileira vai provocar todas as outras diferenças subsequentes.”

Portanto ressaltamos que partimos de contextos históricos e sociais diferenciados, onde as mulheres negras necessitaram construir espaços específicos para a sua militância, dando inicio aos primeiro coletivos de mulheres negras, a partir da década de 80 como o Coletivo Nzinga, Geledés, Criola, entre outros.Esses contextos históricos diferenciados levarão a pautas diferenciadas, onde as mulheres negras trazem para si também a luta contra o racismo, exercendo sua militância também nos espaços mistos do movimento negro.

O que chamamos de “sub-representação política” das mulheres, atinge as mulheres negras de uma forma crucial.Um exemplo é nosso congresso.Se já temos poucas mulheres representando este espaço, quando fazemos o recorte racial , o numero cai drasticamente.Portanto tanto dentro do espaço parlamentar,quanto dentro dos movimentos sociais, as mulheres negras vêm lutando pela sua afirmação enquanto sujeito político e capaz de estar A FRENTE dos espaços de poder.O “a frente” vêm ressaltado por perceber que em muitos espaços as mulheres negras, acabam “carregado piano”, ou seja, cumprindo funções que dão base aos dirigentes, mas não são tratadas como tal.
Por isso o número reduzido de mulheres negras candidatas, de mulheres “presidentas” de associações, coletivos, grupos políticos, ocupando a linha de frente .A partir desse quadro, considero que os espaços de mulheres negras, devem ser dirigidos por mulheres negras, pois este espaços nasceram de uma articulação destas ao perceberem que os espaços feministas não contemplavam a complexidade da nossa vivência, dirigidas em especial,por mulheres negras que tenham a compreensão do que é ser mulher negra nesse país.

Considero importante que as mulheres negras estejam em todos os espaços de direção, mas considero mais ainda que estas façam o debate racial nesse espaço.Ao contrário do que se coloca, este ainda é um problema que precisa ser discutido nos espaços
Ângela Davis, integrante do Panteras Negras
acadêmicos e políticos, já que ainda ouvimos argumentos equivocados no que tange a questão de raça.

Argumentos famosos como o de que estamos sendo “racistas”.e que continuam permeando o senso comum.Carlos Moore, historiador, escritor de diversos livros sobre racismo, traz uma interessante reflexão sobre a ideia do “racismo ao contrário”.Em uma entrevista ao ser questionado sobre essa questão ele afirma que: “Não tenho nem que falar sobre isso! Porque racismo é sistema de poder. Os negros não tem poder em nenhum lugar no mundo. Mesmo na África, são os brancos que mandam e se os dirigentes se opõem são assassinatos. O negro não tem poder de ser racista em nenhum lugar, mesmo se fosse possível. Racismo negro não é nem possível porque os negros não podem reinventar a história. O racismo surgiu uma vez só. Não posso nem fazer comentários sobre algo tão absurdo, porque eu estaria na defensiva e é isso o que o racista quer: jogar essa acusação para que você se defenda. Eu não perco tempo com essa questão, eu coloco todo o meu tempo no ataque ao racismo.”

Portanto enegrecer os espaços deliberativos da nossa sociedade, empoderando as mulheres negras se faz, cada vez mais necessário.Principalmente se estas mulheres vem da periferia, dos nossos quilombos urbanos ou da Zona Rural, onde fomos jogados no pós-abolição sem qualquer assistência.

Ver uma mulher negra no poder,uma presidenta negra, uma “direção” negra, certamente mexe com o psicológico de toda uma nação negra excluída.Mexe comigo.Mexe com você.

1- CARNEIRO, Sueli, Enegrecer o feminismo.
2- ALMEIDA, Cristina Lady, Protagonismo e autonomia de mulheres negras, a experiência das organizações Geledês e Criola, Fazendo Gênero 9- Diáspora, Diversidades e Deslocamento.
3- http://www.geledes.org.br/em-debate/colunistas/16744-carlos-moore-desconstroi-senso-comum-sobre-o-racismo


Luana Soares é estudante de história na Universidade Católica do Salvador, Integrante da Conen Bahia-Coordenação Nacional de Entidades Negras, dasCandaces: Mulheres Negras e Jovens ,do Coletivo Quilombo